Afinal o vazio de uma folha branca tinha tudo a ver com um episódio da
minha vida! Como pude não relacioná-lo??? Nem parece meu...uma oportunidade
perdida.
Respiremos profundamente antes de continuar!
Uma oportunidade perdida e uma oportunidade colhida. A oportunidade de
preencher mais uma página em branco.
Pois sim que hoje é o dia de preencher o vazio não de uma, mas de várias
folhas em branco com o tão aguardado “Episódio do Trem De Cozinha e da Minha
Tese de Doutoramento”.
“O Episódio do Trem De Cozinha e da Minha Tese de Doutoramento” tem todo o
aspeto de uma história para crianças. Parece quase “A História da Branca de
Neve e os Sete Anões”. Não estão a ver porquê? Não? A sério? Nenhuma
semelhança? A sério? Como é que é possível? Pois eu também não. Estava era com
esperança de sair alguma ideia aí desse lado. Era sem dúvida fantástico conseguir
um paralelismo entre “O Episódio” e “A História”. Tornava a coisa de uma certa
forma mais intelectual. Mais uma oportunidade perdida!!!
Mais uma perdida e mais uma colhida...qual? É que este episódio fez-me lembrar o
meu sobrinho. O meu sobrinho quando era pequenino gostava que eu lhe contasse
histórias ao adormecer (assim como as minhas sobrinhas). Nunca fui muito de lhes
ler um livro. Inventava as histórias. Dão o mote e eu que me desenrasque. Ora o
André costumava pedir-me histórias do tipo: Titi conta-me aquela história do
comboio que tinha medo de ir à escola ou Titi conta-me a história do camião que
não queria comer sopa. E por aí fora. O irreal das histórias que lhe contava
lembram-me o irreal real do “Episódio do Trem De Cozinha e da Minha Tese de
Doutoramento”.
Paralelismo feito, vamos ao que interessa. O Episódio. A escrita de uma
tese de Doutoramento é um evento tempestuoso na vida de uma pessoa. Talvez não
de todas, mas acredito que da maioria. Acho que qualquer tese o é. Mas a de
Doutoramento pela sua grandeza e porque implica o resumir de quatro anos de
esforço intenso tem uma dimensão acrescida. Quatro anos de alegrias e
frustrações. De bom resultados e maus resultados. De tudo ou nada. Obviamente há
meios e médios e assins assins nestes 4 anos, mas disso o pessoal (neste caso o
pessoal sou eu! Gosto de usar o pessoal, nós e plurais afins...não sei porquê,
mas é provável que dê um Post um dia
destes, agora é melhor não me desfocar – singular – não sei se notaram. Também
tinha funcionado é melhor não nos desfocarmos – plural, seria mais inclusivo. E
talvez tu te sentisses mais dentro do Episódio e do Post. Em termos de inclusão acho que o “Tu” ganha. Estou a tentar
escrever um parêntesis maior do que aquele do outro dia, já não me lembro de
que Post.) tende a esquecer-se e já
vos disse que tenho esta atração pelos extremos, os opostos, as antíteses e os
antípodas (de onde saiu um grande amor). A atração de quem está junto ao
abismo... Pufff. Parágrafo complexo e cansativo. Quantos terão desistido aqui?
Invariavelmente chega-se ao fim e parece que se tem muito pouco.
Introduzido o episódio vamos lá então a ele. Sentiste a proximidade e
inclusão?
Estávamos num dia de Outono e este fazia parte de um dos cerca de 180 dias
que levei a escrever a tese. A página estava particularmente branca. Um branco
mais branco que o costume. Um daqueles brancos muito brancos, desesperantes e
hipnotizantes. Um branco tão branco que era capaz de cegar. Não saía palavra.
As teclas do computador pareciam desfocar-se em frente aos meus olhos.
Foi assim toda a manhã. Eu e a página em branco. Uma luta angustiosa e até
àquela altura por mim perdida.
Após o almoço voltei de novo para o gabinete. Na altura chamávamos-lhe “A
Solitária” e era o local para onde éramos atirados voluntariamente no momento da
escrita da tese. Local onde nos tornávamos peritos em preencher o vazio de folhas
em branco. Assim, após o almoço voltei à solitária. Sentei-me em frente ao
computador com um chocolate Kit Kat,
na esperança que me desse mais inspiração e capacidade de preencher a folha em
branco que em frente se abria com uma imensidão assustadora. Senti-me como se
estivesse em frente a um deserto e tivesse de plantar tulipas.
Acho que tinha esta esperança todos os dias, uma vez que comia um kit kat por dia (não é por acaso que nas
fotografias de defesa da minha tese pareço uma vaca, tal não é o par de mamas
que apresento...ou isso ou então o período estava para me vir). Comi o Kit Kat e olhei o branco da folha. Olhei
o teclado. O branco da folha. O teclado. O branco da folha. O teclado. O branco
da folha. O teclado. O branco da folha. O teclado. O branco da folha. O
teclado. Nada. Nicles. O vazio. O vazio assustador e angustiante da folha branca.
Foi então que me surgiu uma ideia brilhante. “Olha, já que não estou a produzir
nada, vou tratar daquele assunto ao banco!” Que belo pretexto para fugir dali.
Maravilhoso. Dirijo-me ao carro. Um suspiro de alívio e uma caricia de ar
fresco na cara...
Chego ao banco. Uma fila algo longa. Um escaparate com publicidade. Agarro
num folheto distraidamente. Leio-o igualmente distraída. Até que parecia uma
boa ideia “Por cada 20€ que gastasse com o cartão VISA ganhava uma peça de um
faqueiro.” As peças eram bonitas e ainda por cima era o que eu punha todas as
semanas de gasolina no carro. Tudo fazia sentido. Preenchi os meus dados no
papelito da publicidade e deixei lá.
Semanas mais tarde vou jantar com a minha prima. Vivi com a minha prima 11
anos, ali para os lados da Rua da Bica, não muito longe do Bairro Alto. Nessa
altura a minha correspondência ainda ia para a casa dela. Aí chegada, o meu
primo e marido da minha prima, entrega-me um molhinho de cartas. Uma do banco.
O extrato do cartão VISA. Abro a carta. Alguns 20€ (já a contar para o
faqueiro!!!) e...250€!!! F*** espanto, medo...onde raio gastei tanto
dinheiro??? Antes de continuar é preciso que se saiba que eu nessa altura já
não tinha bolsa (e não sabia quando ia receber) e que todo o dinheirinho que tinha,
2000€, era alvo de racionamento bem pensado. Não havia cinemas, nem copos, nem
jantares, nem pechibeques. Lei marcial aplicada aos tostões de modo a que estes
me chegassem até voltar a receber, sem ter de pedir a ninguém. F*** penso de
novo. Fiquei de boca aberta a olhar para a carta uns momentos e a tentar
lembrar-me de algo que pudesse justificar aquele gasto, sendo a hipótese mais
aceitável para a minha cabeça ter sido um engano do banco. No envelope vinha de
novo a publicidade que estava no escaparate no dia em que tinha ido ao banco. Olho
para a publicidade e...afinal o que tinha feito era preencher uma prova de
compra de um trem de cozinha.
De novo: UM TREM DE COZINHA.
Todo um trem de cozinha. 50 peças.
E mais uma vez: UM TREM DE COZINHA.
Todo um trem de cozinha. 50 peças.
Respiremos profundamente antes de continuar!
Da-se. Da-se Da-se. (Pena naquela altura este diminutivo
de F***-** não poder ser utilizado. É que nesta década descobriu-se que se
tirarmos o FO ao F***-** este deixa de ser um palavrão e toda a gente o diz à
boca cheia! Giro esta do boca cheia e do Da-se juntos...)
Panelas, frigideiras, tachos. Tudo em duplicado e com diversos tamanhos e
formas. F***-** mas o que é que ia fazer àquilo??? Ainda por cima ia para
Paris trabalhar! 250€ em panelas. Não queria acreditar. Não vou ao cinema, não janto
fora, não...e 250€ EM PANELAAAAAAAAAAS?!?!?!?!?! Mandei uma sms aos meus amigos
do género “pessoal comprei um trem de cozinha e não sei como”. Quando a TC me
telefonou ri a rir e ri a chorar...se calhar mais a chorar que a rir. Este
episódio também demarcou o principio do fim daquele meu relacionamento com o
Carlos...na altura telefonei-lhe e mandei a piada “já temos panelas para a
nossa casa” (o gajo chateava-me para viver com ele desde que nos tínhamos
conhecido, não logo, mas 3 dias depois?!)! Do outro lado um silêncio
desconfortante fez-se sentir...e percebi que algo tinha mudado.
No dia a seguir no laboratório foi a emoção e a agitação total. Le delire! The story of the day!!! A TC enquanto eu alucinava tratou do assunto. Telefonou (já o Trem estava
pronto a ser levantado não sei onde) e informou-se do que seria possível fazer.
Não me recordo bem mas acho que escrevemos para lá a dizer que tinha sido um
equivoco ou algo assim. O dinheiro foi-me devolvido e não tive de me ver a
braços com 50 panelas, tachos, frigideiras e o raio que ma parta!
O “Episódio do Trem De Cozinha e da Minha Tese de Doutoramento” teve um
final feliz...como a “História da Branca de Neve e dos Sete Anões”. Afinal
sempre consegui o tal paralelismo.
E separados - o Trem e a ALI- foram felizes para sempre!