sábado, 4 de fevereiro de 2012

Monotonia

Se há coisa de que não me posso queixar é de monotonia na vida. Não tenho monotonia no trabalho, no amor, na amizade, no dia a dia…A única coisa monótona é a ausência de monotonia. Essa sim mantém-se igual desde há mais de 20 anos. Mas isso é muito bom dizem muitos, ou todos em uníssono. Será que é mesmo?

Talvez uma vida monótona não encaixasse em mim e talvez eu não encaixasse numa vida monótona…mas que a ausência de monotonia é um cansaço, ai disso não tenho dúvidas.

A questão que me surgiu hoje, após o episódio que a seguir relato, foi:
 - Será que é a vida que me brinda com dinâmica e adrenalina, ou será que sou eu que brindo a minha vida com dinâmica e adrenalina?

“Tudo sob controlo. Reunião acaba às 17h. Hotel buscar a mala – 5min. Apanhar metro em frente ao hotel para a estação “Cherche Midi (CM)” – 5min. Apanhar comboio para aeroporto – 20min. Totaliza 30min. Mais o tempo que se perde entre uma coisa e outra ~20min, dá um total de 50min. Chegada prevista ao aeroporto – 17:50h. “Check in” previamente feito. Avião às 19h. Perfeito.

Reunião acaba às 17:05h. 5min a mais não é problema. Hotel buscar a mala 5min. 17:10h. Perfeito. De modo a agilizar o percurso e a ter a certeza que não me engano, pergunto ao empregado do hotel qual a direção a tomar no metro para a estação CM. OK. Sigo em passo apressado, feliz por ter um bilhete de metro e não precisar de perder tempo a comprar. Perfeito. Pico o bilhete, desço para a estação. Metro a chegar dentro de 1min. Perfeito. Olho para as linhas onde o metro ia parar. Confirmo com uma transeunte. Não. Não é deste lado. F***F***daP*** do empregado de hotel.

Pequeno stress. Mudo de lado. Ahhh mudar de lado implica passar de novo o bilhete. Merda. Não dá com o mesmo bilhete. Corro para uma máquina automática. Compro outro bilhete e desçoapressadamente. O 2 e o 6 param ambos na estação pretendida. O 2 está a passar. Hesito. A luz da CM não está acesa. É melhor apanhar o próximo, são só mais 3min. 17:22h (depois veio-me à cabeça que estava no metro e que o metro pára em todas as estações. O stress retira a inteligência a uma pessoa!) O 6 chega, entro. Espero que parta. Espero. Espero. Verifico as horas. Espero. Saímos da estação às 17:30h. Chego à estação CM 17:36h. Um comboitinha acabado de partir. Tenho comboio às 17:48h. Merda vou chegar mesmo em cima da hora. Espero que o comboio não se atrase. Bom, a coisa boa é que posso relaxadamente comprar o bilhete de comboio.

Pergunto imediatamente como fazê-lo para não perder mais tempo. Na máquina. OK. Dirijo-me à máquina. Não percebo bem como comprar para o aeroporto. Aquilo tinha para o País todo. Pergunto. Um senhor ajuda-me. Pago com cartão (único modo de pagamento). Mensagem “unreadable card”. Tento de novo. Igual. Olho bem para a máquina. Uma nota “só aceita cartões belgas”. F***F***daP***, numa cidade tão internacional como Bruxelas não me têm máquinas que deem para um VISA?!

Atrasados do C****. Pergunto mais uma vez a um senhor onde posso comprar o bilhete sem ser na máquina. Informação recebida. Dirijo-me ao local. Não é aqui. Sai, sempre em frente 2ª porta cor de laranja. Saio não vejo nenhuma porta cor de laranja! Porra!!! Pergunto de novo. Mais à frente. Dirijo-me apressadamente para o dito sitio. Entro. Uma fila enorme. Olho para o relógio. 17:45h. F***F*** F***F*** F***F*** F***F***F***F***F***F***F***F***F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F***F***F***F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F***F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F*** F***F***.

Pânico. 10s. Não há tempo para pânico. Corro a fila com ar esbugalhado a dizer que tenho de apanhar o avião e a pedir que me deixem passar à frente. Aceitam. Peço o bilhete. Tento pagar com cartão. Não dá. Pago a dinheiro. Saco de uma nota de 20€, que basicamente mandei à cara da empregada de balcão, a qual emitiu um som de surpresa. “Pardon” Meto o troco a toda a pressa na carteira. Uma moeda cai. Cago. Mas senhora simpática apanha e chama-me. Queria dizer “tou-me a cagar para essa merda”, mas a simpatia da senhora tirou-me a coragem. Voltei atrás. Agradeci e sai a esvoaçar. Subo as escadas duas a duas, com a mala de viagem pesada em mão (uma pessoa nestas alturas é quase uma super mulher da pujança), e a pensar se perco a merda do comboio dá-me uma coisa má. Tenho um ataque na plataforma. Chego à plataforma e olho de imediato para o relógio…17:47h. Um suspiro de alívio. Mas ainda não a salvo. Chego ao aeroporto às 18:15h. Entre a estação do comboio e as Partidas ainda é uma distância considerável. Mais um trecho em corrida e chego ao guichet da Tap Executive (o único ainda aberto), com ar despenteado e esgazeado, pergunto em tom ansioso “Ainda me pode aceitar a bagagem? Ao que o senhor me responde “Je ne parles pas portugais”. C***** Est ce que je peux encore envoyer mon bagage? Resposta: Oui, je croix que c’est encore possible.

Alívioooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo. O mundo é lindo de novo e apetece-me beijar o homem. Na verdade nem me lembro se era bonito ou não, porque de tão esgazeada que estava, basicamente atirei-lhe com o boarding pass e a identificação, pus a mala no tapete, recolhi o boarding pass e a identificação e devo ter dito Merci. Por outro lado o pensamento do beijo talvez não tenha acontecido pela mesma razão.”

Talvez estejam a pensar:
 - Coitada nem imagino se tivesse perdido o avião. O cansaço, a vontade de chegar a casa…

Podia ser esta a motivação para tanta ansiedade. Mas não era. Não. Não o cansaço, não o medo de perder o avião, não a hipótese de gastar mais dinheiro a comprar uma nova passagem e/ou uma noite num hotel e mais um dia fora da minha casinha. A única coisa que me ocupava a cabeça era: tenho de poder enviar a mala. Tenho de chegar a tempo de enviar a mala. Se não conseguir enviar a mala tenho um ataque de choro e esvaio-me em espasmos histéricos. E porquê???? Porque a mala não tinha o tamanho standard para o avião??? Não. Nada disso.

Porque tinha comprado 500ml de creme do corpo, 500ml gel duche e 500 ml de desmaquilhante em Paris (muito mais barato), que não iriam passar no ponto de controlo e que teria de deixar lá. Ora isto já me tinha acontecido 1x em Paris. Era portanto uma questão de orgulho e honra. Já estava preparada para os enviar pelo correio, caso não me tivessem deixado enviar a mala e caso houvesse no aeroporto um posto de correio.

Portanto há momentos na vida que o mais importante não é salvar o planeta, não é salvar Portugal, não é defender a investigação, não é ir para a Rua apanhar o lixo dos porcalhões abadalhocados que pensam que tudo é uma lixeira ou balde do lixo, não são os 99% dos indignados, não é ajudar os mais necessitados, não é chegar ou não a casa, não é estar bem ou mal…

…há momentos na vida em que o mais importante é salvar 1.5 Litros de produtos de higiene e beleza. 1500 Militros de produtos de higiene e beleza. 1500000 Microlitros de produtos de higiene e beleza. 1500000000 Nanolitros de produtos de higiene e beleza. 1500000000000 Picolitros de produtos de higiene e beleza. 1500000000000000 Fentolitros de produtos de higiene e beleza.

É muito. É importante. É essencial. É isto. É isto que dá uma tusa do caraças, uma adrenalina do melhor, um esgazeamento e um despenteamento maior do que o de um orgasmo múltiplo de 5min. É isto pá. É isto. E é bué.

1500000000000000 Fentolitros de produtos de higiene e beleza caralho.

(escrito a 19.01.12)

1 comentário:

  1. Muito bom!...De facto há prioridades q por vezes nos falham, e a salvação dos fentolitros, obviamente, vigora! Muita vida d'aquém e d'além dáALI.
    Tamborim Zim

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