F****-** Anabela, mas quem é que quer falar do sofrimento??? Ainda por cima
a um Sábado de manhã?! Tens de ultrapassar isso pá. Tu pensas demais...
Ora pois quem quer falar disso...EU e sim a um sábado de manhã! Porque não?
E para ser ainda mais contrastante apetece-me falar do sofrimento e estou
alegre. Ahhh pois é bébé.
Vamos recomeçar...O sofrimento...
O sofrimento é uma grande merda. Ninguém gosta dele e toda a gente foge
dele a sete pés. Uma verdade de La Palice.
Para que perco tempo a dizer verdades lapaliçadas?
Então mas que raio tenho eu para falar sobre o sofrimento a um sábado de
manhã? Podia falar do tempo...ahhh o
tempo. Todo o Portugal se encontra maravilhado com ele. É fabuloso como a
descida de temperatura, pode provocar tanta alegria, medo e emoção na população
portuguesa! E eu a pensar que nas minhas reuniões é que era. Como estava
enganada caramba!!! Isto sim, é que é. O êxtase completo. Acho que todos os Lisboetas
hoje saíram à Rua com botas de neve. Eu farei
igual, que hoje não me apetece armar-me em mete nojo. Assim, tenho oportunidade
de usar as minhas, que a Sónia me comprou por 13€ (ou 23€) numa loja
de chinocas ou afim, e só tive oportunidade de
usar em S. Petersburgo.
Mas eu queria falar do sofrimento e já me estou a desviar do assunto...
Desviar do assunto... Podemos começar por aqui. É o que mais fazemos, ou a
maioria de nós faz em relação a ele. Ao sofrimento. Temos uma grande
incapacidade de lidar com ele e de lidar com quem padece dele. E porquê??? É
obvio. Porque é difícil.
A nossa incapacidade de lidar com o sofrimento leva-nos a lidar com ele de
uma forma desequilibrada e desadequada.
Muitos de nós exige a si próprio que o sofrimento causado, por exemplo, por uma
violação seja o mesmo que o sofrimento causado por ter chumbado num exame.
Exigimos a nós próprios que o tempo de recuperação de uma violação seja idêntico ao de um exame chumbado. Que o
sofrimento e o tempo de recuperação do sofrimento causado pela ausência de um
grande amigo que parte para outro país, seja idêntico ao causado pela ruptura com o ser
amado. Para facilitar, passo a chamar às pessoas que se incluem neste
grupo “os super-humanos”.
Para que tal seja possível os super-humanos passam também a ser os
super-actores. Tudo é leve e fácil. Parecem os pilares da Terra. Enfrentam
todos os touros pelos cornos, têm quase sempre um sorriso na cara, e uma
palavra amiga, mesmo para aqueles (que vou passar a chamar “os
super-coitadinhos”) que chumbaram num exame e lhes saturam a cabeça horas sem fim
por causa desta falha, quando na noite anterior o super-humano X tinha sido
vítima de violação. Já o super-humano X limita-se a dizer: “fui violado ontem.
Hoje quando cheguei a casa senti-me sujo. Tomei banho e esfreguei-me,
esfreguei-me, esfreguei-me, esfreguei-me numa tentativa de retirar a sujidade
que sentia dentro de mim...”
Claro que o super-coitadinho Z mostrou a sua indignação, mas nada mais que
isso. Muda de conversa. Muda de conversa, como se o X lhe tivesse dito “hoje
comprei uns sapatos lindos, mas horríveis para andar...quando cheguei a casa
sangrava dos pés”. Quanta frieza se encerra neste acto?! Mesmo que o
justifiquemos como “o Z não sabe o que há-de dizer, ou o Z não sabe lidar com o
sofrimento” o acto em si é frio e inadequado, diria mesmo cruel. E contra
factos não devia haver argumentos.
O super-humano X fica chocado com a frieza do amigo...mas igualmente
incapaz de lidar com o sofrimento e, por orgulho, silencia-se e mostra o que
sabe tão bem fazer. Fingir que está tudo bem, e que o que se passou, é passado.
Se for preciso ainda faz uma piada acerca da situação e abre-se numa bela
gargalhada...Fantástico este ser!!! O ser que toda a gente inveja. A fonte de
fortaleza, juventude e alegria. O ídolo de muitos.
Na verdade a fonte de falsidade e infelicidade. O actor perfeito.
Mas, como acontece com todos os ídolos, o mundo não vê realmente o ser
humano. Não vê nem quer ver, não dá jeito. Nem pensar! Então se nos
apercebermos que um ídolo sofre, que a vida dele é uma merda e que luta como o caraças para acordar e enfrentar o mundo cada
dia que passa, o que seria dos pobrezinhos sofredores, incapazes e
coitadinhos??? O que seria deles sem o pilar da Terra??? O melhor é ser
desumano e cego!!!
O melhor é continuar a achar que se justificam horas de queixumes de coisas para as quais 3 min de
queixume já é um excesso. O melhor é continuar a achar que a melhor maneira de
lidar com os problemas graves, para os quais horas de conversa não são muitas
vezes suficientes e para os quais são necessários meses ou anos para que a dor
passe, é ignorar e fingir que está tudo bem.
Como me disse um black em Quarteira “Tá-se”. Ya, tá-se! Porque não? Vamos beber um
copo, ou snifar umas raias de coca, que isso
passa...pena que alguns acabem alcoólicos, ou tóxicodependentes,
à custa de beberem ou snifarem para que isso passe...mas isso são
pormenores que não interessam, não é?
Tá-se...
...vá de RETRO SOFRIMENTO.
(escrito a 04.02.12)
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